O ciclo de vida das empresas tem, normalmente, cinco diferentes estágios: inicial, crescimento, maturidade, declínio e recuperação. Paradoxalmente, é na fase de maturidade que a crise começa a se instalar, acentuando-se na fase posterior, a do declínio.
A fase de declínio começa com a crise estratégica, que na maioria quase absoluta das vezes nasce discretamente, cresce em silêncio, emitindo um ou outro sinal de existência, e se expõe com toda força quando os problemas já dominaram a estrutura da organização e contaminaram os resultados financeiros, gerando a crise de resultados, que por sua vez, irá rapidamente desencadear em uma crise de liquidez, podendo levar a falência ou uma intervenção judicial para tentar salvar o negócio.
Entre 2015 e 2019 houve 7.365 pedidos de recuperação judicial no Brasil, uma média de 1.473 pedidos por ano, ou 123 pedidos por mês. Podemos assumir que algo acima de 200 empresas se deparam com uma situação de crise financeira aguda por mês, sendo que mais da metade destas acabam escolhendo, ou se vendo forçadas a seguir, o caminho da recuperação judicial, correndo um sério risco de falência, uma vez que as estatísticas indicam que apenas 5% das empresas que entram em recuperação judicial no Brasil conseguem, de fato se recuperar.
Em minha experiência atuando em processos de turnaround e reestruturação de empresas, em diferentes estágios de declínio, percebi que as pessoas são um fator comum na crise estratégica de todas as organizações.
Por melhor que seja a estratégia, com pessoas despreparadas, vai dar errado e a performance será baixa. Do contrário, quando a estratégia é errada, mas a organização conta com pessoas preparadas as chances de sucesso crescem, pois elas irão corrigir os rumos da organização.
Um dos fatore que levam as organizações, em seu estágio de maturidade, a terem sua estratégia conduzida por pessoas despreparadas pode ser explicado por Laurence J. Peter em sua obra The Peter Principle, publicada originalmente no ano de 1969. O Princípio da Incompetência de Peter diz que por mais que uma pessoa tenha merecimento a uma promoção, muitas vezes o gestor deve analisar se deve realmente fazê-la, avaliando se o profissional tem capacidade para assumir um cargo de maior importância e gerar os resultados que a organização espera dele. Em sua obra – a qual recomendo a leitura – Peter relaciona sessenta e seis maneiras de combater a promoção de alguém incompetente.
“Num sistema hierárquico, todo funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência.”
Nesse estágio presenciamos o nascimento do corporativismo ou da amigocracia, e como consequência a deterioração organizacional, onde pessoas fracas atraem e se cercam de pessoas mais fracas por medo de cair, dando início a construção de uma cultura e de uma empresa fraca, com performance ruim. Chamamos esse fenômeno de “Síndrome da Branca de Neve” onde gestores se cercam de pessoas sem estatura suficiente para manter ou recuperar o vigor de uma empresa, colocando em risco o futuro do negócio.
Ao ter pessoas incompetentes no topo da organização outro movimento é desencadeado, as pessoas competentes começam a sair, ocorrendo a deterioração do sistema pela expulsão de talentos. Esse é um grande sinal de problemas de liderança. Quanto mais pessoas fracas na organização menor será a produtividade e quanto menor a produtividade mais pessoas são necessárias para trabalhar. Começa então uma espécie de propagação da incompetência, que por sua vez gera o inchaço organizacional e seus impactos negativos são rápidos, intensos e fatais para os resultados.
Nesse estágio as pessoas começam a se preocupar mais em como se manter no topo – se cercando de aliados políticos e garantindo que todos andem juntos – do que com os resultados da organização. Quando surge alguém disposto a mudar essa estrutura, esses grupos buscam rapidamente uma maneira de expulsá-lo, pois ele representa um risco para o sistema amigocrático, que levará a empresa a ruína. A maioria das empresas passam ou já passaram por esse processo e as pessoas que deveriam tomar ações para evitar esses problemas, como acionistas, conselhos de administração e executivos chave, não o fazem.
Maquiavel, em O príncipe, discorre sobre as dificuldades de mudar: “Nada é mais difícil do que realizar, mais perigoso de conduzir, ou mais incerto quanto ao êxito, do que iniciar a introdução de uma nova ordem de coisas, pois a inovação tem, como inimigos, todos aqueles que prosperaram sob as condições antigas, e como defensores tíbios todos aqueles que podem se dar bem nas novas condições.”
No livro Administração de Alto Impacto os autores lembram que mudar é difícil. Os subordinados apresentam resistência, as novas maneiras de fazer as coisas trazem riscos e, é exatamente no momento de combater a resistência que a maioria dos gestores fracassam. Esse é o começo da crise estratégica.
A busca incessante por resultados é o que move uma organização. Com a estratégia e pessoas certas, disciplina na execução e com o devido senso de urgência, empresas podem sair de uma situação de crise muito mais rápido do que se imagina. Mas para isso é preciso ter coragem para tomar decisões duras e impopulares com base na razão e não na emoção.
Jeck Welch, CEO da General Electric, consultor e autor de vários livros, disse certa vez que todas as empresas do mundo terão de se reestruturar, por isso os gestores devem estar sempre prontos a repensar a empresa, mesmo quando está dando tudo certo.
Ismael Santos, sócio da Resultados Reestruturação e Performance.